segunda-feira, 29 de março de 2010
Peça nova da Cia Desencontrários estréia em breve
Comecei as pesquisas para escrever esse texto há dois anos, agora começaremos os ensaios e provavelmente estrearemos em Junho aqui em São Paulo. Estamos à procura de um teatro em breve falo onde e quando. Enquanto a atriz Danielli Avila está de licença maternidade para ter nosso primeiro filho, vou me organizando para mais esse projeto. Ela não vai estar no palco ao meu lado mas estará no bastidores fazendo a produção.
sábado, 27 de março de 2010
sexta-feira, 5 de março de 2010
Entrevista para Revista Etcetera
Concorda com o ator e escritor Márcio Américo, você é uma mistura de Woody Allen, Campos de Carvalho, Machado de Assis e Mazzaropi? Quais autores você tem como referência para seu trabalho de dramaturgo e diretor?
Sim, concordo. Minhas referências dramatúrgicas são os escritores: Paulo Leminski, Pedro Juan Gutierrez, Bret Easton Ellis, Jack Kerouac, Jack London, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marques, Matso Bashô, Cruz e Souza, Woody Allen, James Ellroy, David Goodis e Graciliano Ramos. Os diretores de teatro que me influenciaram são: Nitis Jacon, Daniel Uribe, Paulo de Morais, Rodolfo Garcia Vázquez, Betty Lopes, no cinema: Beto Brant, Quentin Tarantino, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Orson Welles.
Queria que você falasse um pouco de seu processo de criação nas três frentes que atua: como dramaturgo, na composição de um texto; como ator, na construção de um personagem; e como diretor, na concepção de uma cena.
Escrever um texto é uma batalha, você sente mal estar, enjôo, depressão para no final se superar, vencer seu pior crítico: você mesmo. Terminado o texto, o deixo descansar por um tempo. Depois entra o diretor que corta falas, muda cenas, trocando por miúdos: Faz a ponte entre a história do autor e o público do espetáculo. Só então que entra o encenador, o mágico, com suas luzes, sombras, distribuindo atores e objetos para compor um quadro harmonioso, cheio de caos cênico; trabalhando altura, largura e profundidade do palco feito um fotograma de filme, mas carregado de significados e sentimentos (qualquer trabalho tem que provocar meus sentidos, se for só cerebral, fujo). Minha função na direção de ator basicamente se resume em ajudar os atores a não forçarem a barra e descobrirem neles mesmos a força do personagem e lembrá-los que todo o dia tem que ser uma estréia, que não se entreguem a rotina, que sejam super heróis, é o momento de sermos Deuses de nossas vidas tortas. Como ator sempre gosto de fazer a backstory do personagem, assim posso ver que a situação atual é sempre conseqüência de decisões e acontecimentos passados. Um bom ator é aquele que está sempre raciocinando os fatos, gerando uma ação mental para quando for andar, falar ou mesmo quando está pensando tenha vida suas idéias, para poder passar ao público o que ele está sentindo só com o olhar.
O que mais te atraí na linguagem teatral e o que você evita sempre que escreve um texto?
Fazer com que o público imagine um mundo todo só dando a ele uma fechadura. Tento não chatear o público, acho que às vezes consigo.
Quando está escrevendo uma peça, você já pensa na questão dos recursos de produção disponíveis?
Sempre, até porque minha mulher (Danielli Avila) é a produtora e também atriz da Cia Desencontrários, ela que administra essa parte, fazemos nossa arte se pagar sem leis de incentivo, fomento, então temos que usar mais a imaginação sem que isso prejudique o resultado final. Até agora tem dado certo, tanto que o filme Betty quer morrer e outro curta, ainda inédito, foram bancados pelo teatro.
Em sua opinião, o texto é imprescindível para uma montagem teatral?
O texto é o alicerce, as paredes que te protegem de caminhos equivocados.
Tanto Jovens Suicidas quanto Sanguíneo são peças onde as personagens femininas são protagonistas. O universo feminino é uma preocupação específica em seus textos ou isso se deve à parceria com a atriz Danielli Avila?
Tenho outros textos que os protagonistas são homens, mas acho que sempre coloco em minhas peças uma personagem feminina forte, talvez seja porque perdi meu pai muito cedo, devia ter 2 anos de idade, fui criado pela minha mãe que foi uma guerreira em dar comida, casa, roupa, educação para cinco filhos, todos pequenos. Pude ver e sentir na carne como é a vida de mulheres que lutam para sobreviver num mundo dominado pela ignorância machista.
Betty Quer Morrer virou curta-metragem, entrando para Mostra Internacional de Cinema. Como foi o trabalho de adaptação? Quais as principais diferenças de tradução da linguagem teatral para a linguagem audiovisual?
Em primeiro lugar entrar nessa Mostra foi pra mim a realização de um sonho. Logo quando cheguei em São Paulo (1996), não tinha dinheiro e ficava na porta do cinema na esperança de conseguir entrar. A principal diferença entre teatro e cinema é a síntese, mostrar o que tá dentro da cabeça dos personagens em imagens e subtextos. Foram dois anos de trabalho (23 versões do roteiro), no cinema menos é mais. O público de cinema é muito mais exigente em termos narrativo, te obriga a ser mais criativo, detalhista, temos que criar todo um universo verossímil, completo, já no teatro contamos mais com a imaginação do público.
Embora nunca seja o mote principal, em suas peças é notável certa estética da violência. Como você pensa o tema em seus textos?
Vivi 27 anos da minha vida no bairro pobre de Cambé, cidade dormitório de Londrina no Paraná. Convivi muito com a violência, éramos brancos pobres, como a maioria do bairro de “bóias frias” (trabalhador rural) em que eu morava; como já disse perdi meu pai muito cedo, minha mãe saía pra trabalhar e deixava minha irmã adolescente cuidando de casa, eu e meus outros dois irmãos mais velhos ganhávamos a rua, conseqüentemente entravamos em algum tipo de delinqüência. Lembro uma vez (quando tinha 12 anos) de ver um homem ser morto a facadas na frente do supermercado e outra vez de acordar com o cano gelado do revolver 38 do policial cutucando minhas costas às seis da manhã, ele só parou quando minha mãe disse que eu não era quem eles estavam procurando, era meu irmão mais velho. Os filhos da puta tomaram todo o nosso café e foram embora, meu irmão não tinha dormido em casa naquela noite. Vários amigos de infância foram assassinados, meu sobrinho de 13 anos de idade morreu com um tiro na boca porque uma garota mais velha lhe deu um beijo pra fazer ciúmes no seu namorado traficante. Bom, acho que sou um prato cheio para os terapeutas. Normalmente meus temas são coisas já passadas, vividas ou não, que linkam com o nosso tempo. Tento não fazer de meus personagens os fodões, procuro colocá-los em situações em que eu mesmo não saberia o que fazer ou como reagir. Sou um romântico, querendo que essa porra de mundo dê certo.
Para um grupo de repertório como a sua Cia Desencontrários é possível viver exclusivamente de teatro?
É muito difícil viver exclusivamente de teatro, como é muito difícil viver exclusivamente de cinema, de artes plásticas, de dança, na verdade é muito difícil viver de arte em geral no Brasil. Quem diz que vive só de teatro tá mentindo, tem que fazer propaganda, dar workshop, vender texto, livro, escrever roteiro, ser músico, participar de filmes dos outros, às vezes até trabalhar com outras atividades como abrir um bar, vender coisas usadas, vender cimento, fazer pesquisa no datafolha, etc. Claro que tem uma meia dúzia que vive de teatro, por exemplo, aqueles que milagrosamente pegam o fomento todas as vezes. Já que o dinheiro é da população, todos têm direito, não acha? Temos muitos editais para Teatro em São Paulo, mas são sempre as mesmas pessoas/grupos que são selecionados. Em seis anos de Cia e com 5 peças montadas nunca fomos contemplados em nenhum. Estamos sempre produzindo, não temos tempo para puxar o saco de ninguém.
Jovens Suicidas foi escrita em 2005 ainda quando eu morava num quartinho numa pensão na rua Conselheiro Ramalho no centro velho de São Paulo. Botei o apelido de Barton Fink por ter um tapete vermelho no corredor de entrada da pensão que me fazia lembrar o hotel decadente do filme dos irmãos Coen; onde John Turturro, um dramaturgo estreante, sonha com o estrelato no cinema. A solidão da pensão e o desespero dos seus moradores me motivaram a escrever essa peça.
(Joeli Pimentel)
BETTY: Você pensa que vai me violentar? É isso que todos querem. Me violentar. Mas você não vai conseguir, eu não vou permitir. Eu sei me defender.
Ela pega uma tesoura.
PESQUISADOR: Não. Eu não quero te violentar. Eu só quero fazer a minha pesquisa o mais rápido possível e cair fora. Então, quais marcas você lembra de ter visto em propagandas na televisão no último mês?
BETTY: Mentira. Mentira. Mentira, mentira, mentira, mentira. É tudo mentira. (rasga os papéis dele)
PESQUISADOR: Ei... Você não pode fazer isso com as coisas dos outros, é o meu ganha pão, eu vou perder o meu emprego. A Cida vai me matar se eu voltar sem esses questionários preenchidos... agora que eu tô fodido.
BETTY (continua rasgando; depois parte com a tesoura pra cima dele): É tudo falso. Falso.
PESQUISADOR (amedrontado): É eu também acho. Pesquisa só serve pra descobrir uma nova maneira de fazer com que as pessoas comprem cada vez mais. Elas nem precisam, mas vão continuar comprando, comprando cada vez mais. Na favela, na favela os caras ás vezes não têm o que comer, mas tem barraco que tem até tevê nova e DVD. E eu não consegui nem comprar um vídeo cassete ainda.
Ela tem um ataque.
BETTY: Essa casa é falsa, o papa é falso, a roupa que eu uso é falsa, o presidente é falso. O telejornal é falso. Essa cidade é falsa. Você é falso. A minha vida é falsa.
PEQUISADOR (assustado, mas tentando acalmá-la): A gente precisa de quem aposte na gente, que nos ame, que acredite. (tira a tesoura da mão dela) Essa guerra dentro da gente é passageira. Uma hora os pensamentos ruins vão embora você vai ver.
Sangüíneo é meu sétimo texto para teatro, foi escrito em duas semanas de 2007, tinha uma frase do filósofo Nietzsche na cabeça que me atormentava: “O homem é um animal doente”. Me tranquei no meu escritório com essa frase e a idéia de juntar personagens de HQ´s com clima de filme Noir numa história policial, com uma pitada de humor negro.
NAZI: É lata.
TIAGO: Quê?!
NAZI: Não há duvida, é lata.
TIAGO: Olha de novo.
NAZI: É lata, não vale nada.
TIAGO: Quanto você me dá por ela?
NAZI: Eu não estou pechinchando, é lata.
TIAGO: Você pode ter se enganado.
NAZI: Eu tenho outros clientes para visitar.
TIAGO: Então olha mais uma vez só pra ter certeza.
NAZI: Eu já tenho certeza. É lata.
TIAGO (pega o cara pelo colarinho): Quer parar de chamar o meu bagulho de lata seu nazista filho da puta. (pausa) Quanto você me dá por ela?
NAZI: Mas é lata.
TIAGO: Então me dá alguma coisa pela medalha e você fica com o resto.
NAZI: É lata também.
TIAGO (se afasta, respira): Tá bom. Quanto vale? Me faz uma proposta decente porra.
NAZI (pega uma arma e põe na cabeça dele): Seu maluco filho da puta. Eu já te disse que é lata. (histérico) Tá me ouvindo agora seu desgraçado? É lata, lata, lataaaaaa...
Sim, concordo. Minhas referências dramatúrgicas são os escritores: Paulo Leminski, Pedro Juan Gutierrez, Bret Easton Ellis, Jack Kerouac, Jack London, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marques, Matso Bashô, Cruz e Souza, Woody Allen, James Ellroy, David Goodis e Graciliano Ramos. Os diretores de teatro que me influenciaram são: Nitis Jacon, Daniel Uribe, Paulo de Morais, Rodolfo Garcia Vázquez, Betty Lopes, no cinema: Beto Brant, Quentin Tarantino, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Orson Welles.
Queria que você falasse um pouco de seu processo de criação nas três frentes que atua: como dramaturgo, na composição de um texto; como ator, na construção de um personagem; e como diretor, na concepção de uma cena.
Escrever um texto é uma batalha, você sente mal estar, enjôo, depressão para no final se superar, vencer seu pior crítico: você mesmo. Terminado o texto, o deixo descansar por um tempo. Depois entra o diretor que corta falas, muda cenas, trocando por miúdos: Faz a ponte entre a história do autor e o público do espetáculo. Só então que entra o encenador, o mágico, com suas luzes, sombras, distribuindo atores e objetos para compor um quadro harmonioso, cheio de caos cênico; trabalhando altura, largura e profundidade do palco feito um fotograma de filme, mas carregado de significados e sentimentos (qualquer trabalho tem que provocar meus sentidos, se for só cerebral, fujo). Minha função na direção de ator basicamente se resume em ajudar os atores a não forçarem a barra e descobrirem neles mesmos a força do personagem e lembrá-los que todo o dia tem que ser uma estréia, que não se entreguem a rotina, que sejam super heróis, é o momento de sermos Deuses de nossas vidas tortas. Como ator sempre gosto de fazer a backstory do personagem, assim posso ver que a situação atual é sempre conseqüência de decisões e acontecimentos passados. Um bom ator é aquele que está sempre raciocinando os fatos, gerando uma ação mental para quando for andar, falar ou mesmo quando está pensando tenha vida suas idéias, para poder passar ao público o que ele está sentindo só com o olhar.
O que mais te atraí na linguagem teatral e o que você evita sempre que escreve um texto?
Fazer com que o público imagine um mundo todo só dando a ele uma fechadura. Tento não chatear o público, acho que às vezes consigo.
Quando está escrevendo uma peça, você já pensa na questão dos recursos de produção disponíveis?
Sempre, até porque minha mulher (Danielli Avila) é a produtora e também atriz da Cia Desencontrários, ela que administra essa parte, fazemos nossa arte se pagar sem leis de incentivo, fomento, então temos que usar mais a imaginação sem que isso prejudique o resultado final. Até agora tem dado certo, tanto que o filme Betty quer morrer e outro curta, ainda inédito, foram bancados pelo teatro.
Em sua opinião, o texto é imprescindível para uma montagem teatral?
O texto é o alicerce, as paredes que te protegem de caminhos equivocados.
Tanto Jovens Suicidas quanto Sanguíneo são peças onde as personagens femininas são protagonistas. O universo feminino é uma preocupação específica em seus textos ou isso se deve à parceria com a atriz Danielli Avila?
Tenho outros textos que os protagonistas são homens, mas acho que sempre coloco em minhas peças uma personagem feminina forte, talvez seja porque perdi meu pai muito cedo, devia ter 2 anos de idade, fui criado pela minha mãe que foi uma guerreira em dar comida, casa, roupa, educação para cinco filhos, todos pequenos. Pude ver e sentir na carne como é a vida de mulheres que lutam para sobreviver num mundo dominado pela ignorância machista.
Betty Quer Morrer virou curta-metragem, entrando para Mostra Internacional de Cinema. Como foi o trabalho de adaptação? Quais as principais diferenças de tradução da linguagem teatral para a linguagem audiovisual?
Em primeiro lugar entrar nessa Mostra foi pra mim a realização de um sonho. Logo quando cheguei em São Paulo (1996), não tinha dinheiro e ficava na porta do cinema na esperança de conseguir entrar. A principal diferença entre teatro e cinema é a síntese, mostrar o que tá dentro da cabeça dos personagens em imagens e subtextos. Foram dois anos de trabalho (23 versões do roteiro), no cinema menos é mais. O público de cinema é muito mais exigente em termos narrativo, te obriga a ser mais criativo, detalhista, temos que criar todo um universo verossímil, completo, já no teatro contamos mais com a imaginação do público.
Embora nunca seja o mote principal, em suas peças é notável certa estética da violência. Como você pensa o tema em seus textos?
Vivi 27 anos da minha vida no bairro pobre de Cambé, cidade dormitório de Londrina no Paraná. Convivi muito com a violência, éramos brancos pobres, como a maioria do bairro de “bóias frias” (trabalhador rural) em que eu morava; como já disse perdi meu pai muito cedo, minha mãe saía pra trabalhar e deixava minha irmã adolescente cuidando de casa, eu e meus outros dois irmãos mais velhos ganhávamos a rua, conseqüentemente entravamos em algum tipo de delinqüência. Lembro uma vez (quando tinha 12 anos) de ver um homem ser morto a facadas na frente do supermercado e outra vez de acordar com o cano gelado do revolver 38 do policial cutucando minhas costas às seis da manhã, ele só parou quando minha mãe disse que eu não era quem eles estavam procurando, era meu irmão mais velho. Os filhos da puta tomaram todo o nosso café e foram embora, meu irmão não tinha dormido em casa naquela noite. Vários amigos de infância foram assassinados, meu sobrinho de 13 anos de idade morreu com um tiro na boca porque uma garota mais velha lhe deu um beijo pra fazer ciúmes no seu namorado traficante. Bom, acho que sou um prato cheio para os terapeutas. Normalmente meus temas são coisas já passadas, vividas ou não, que linkam com o nosso tempo. Tento não fazer de meus personagens os fodões, procuro colocá-los em situações em que eu mesmo não saberia o que fazer ou como reagir. Sou um romântico, querendo que essa porra de mundo dê certo.
Para um grupo de repertório como a sua Cia Desencontrários é possível viver exclusivamente de teatro?
É muito difícil viver exclusivamente de teatro, como é muito difícil viver exclusivamente de cinema, de artes plásticas, de dança, na verdade é muito difícil viver de arte em geral no Brasil. Quem diz que vive só de teatro tá mentindo, tem que fazer propaganda, dar workshop, vender texto, livro, escrever roteiro, ser músico, participar de filmes dos outros, às vezes até trabalhar com outras atividades como abrir um bar, vender coisas usadas, vender cimento, fazer pesquisa no datafolha, etc. Claro que tem uma meia dúzia que vive de teatro, por exemplo, aqueles que milagrosamente pegam o fomento todas as vezes. Já que o dinheiro é da população, todos têm direito, não acha? Temos muitos editais para Teatro em São Paulo, mas são sempre as mesmas pessoas/grupos que são selecionados. Em seis anos de Cia e com 5 peças montadas nunca fomos contemplados em nenhum. Estamos sempre produzindo, não temos tempo para puxar o saco de ninguém.
Jovens Suicidas foi escrita em 2005 ainda quando eu morava num quartinho numa pensão na rua Conselheiro Ramalho no centro velho de São Paulo. Botei o apelido de Barton Fink por ter um tapete vermelho no corredor de entrada da pensão que me fazia lembrar o hotel decadente do filme dos irmãos Coen; onde John Turturro, um dramaturgo estreante, sonha com o estrelato no cinema. A solidão da pensão e o desespero dos seus moradores me motivaram a escrever essa peça.
(Joeli Pimentel)
BETTY: Você pensa que vai me violentar? É isso que todos querem. Me violentar. Mas você não vai conseguir, eu não vou permitir. Eu sei me defender.
Ela pega uma tesoura.
PESQUISADOR: Não. Eu não quero te violentar. Eu só quero fazer a minha pesquisa o mais rápido possível e cair fora. Então, quais marcas você lembra de ter visto em propagandas na televisão no último mês?
BETTY: Mentira. Mentira. Mentira, mentira, mentira, mentira. É tudo mentira. (rasga os papéis dele)
PESQUISADOR: Ei... Você não pode fazer isso com as coisas dos outros, é o meu ganha pão, eu vou perder o meu emprego. A Cida vai me matar se eu voltar sem esses questionários preenchidos... agora que eu tô fodido.
BETTY (continua rasgando; depois parte com a tesoura pra cima dele): É tudo falso. Falso.
PESQUISADOR (amedrontado): É eu também acho. Pesquisa só serve pra descobrir uma nova maneira de fazer com que as pessoas comprem cada vez mais. Elas nem precisam, mas vão continuar comprando, comprando cada vez mais. Na favela, na favela os caras ás vezes não têm o que comer, mas tem barraco que tem até tevê nova e DVD. E eu não consegui nem comprar um vídeo cassete ainda.
Ela tem um ataque.
BETTY: Essa casa é falsa, o papa é falso, a roupa que eu uso é falsa, o presidente é falso. O telejornal é falso. Essa cidade é falsa. Você é falso. A minha vida é falsa.
PEQUISADOR (assustado, mas tentando acalmá-la): A gente precisa de quem aposte na gente, que nos ame, que acredite. (tira a tesoura da mão dela) Essa guerra dentro da gente é passageira. Uma hora os pensamentos ruins vão embora você vai ver.
Sangüíneo é meu sétimo texto para teatro, foi escrito em duas semanas de 2007, tinha uma frase do filósofo Nietzsche na cabeça que me atormentava: “O homem é um animal doente”. Me tranquei no meu escritório com essa frase e a idéia de juntar personagens de HQ´s com clima de filme Noir numa história policial, com uma pitada de humor negro.
NAZI: É lata.
TIAGO: Quê?!
NAZI: Não há duvida, é lata.
TIAGO: Olha de novo.
NAZI: É lata, não vale nada.
TIAGO: Quanto você me dá por ela?
NAZI: Eu não estou pechinchando, é lata.
TIAGO: Você pode ter se enganado.
NAZI: Eu tenho outros clientes para visitar.
TIAGO: Então olha mais uma vez só pra ter certeza.
NAZI: Eu já tenho certeza. É lata.
TIAGO (pega o cara pelo colarinho): Quer parar de chamar o meu bagulho de lata seu nazista filho da puta. (pausa) Quanto você me dá por ela?
NAZI: Mas é lata.
TIAGO: Então me dá alguma coisa pela medalha e você fica com o resto.
NAZI: É lata também.
TIAGO (se afasta, respira): Tá bom. Quanto vale? Me faz uma proposta decente porra.
NAZI (pega uma arma e põe na cabeça dele): Seu maluco filho da puta. Eu já te disse que é lata. (histérico) Tá me ouvindo agora seu desgraçado? É lata, lata, lataaaaaa...
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